quarta-feira, 28 de julho de 2010
nada
brancos cabelos, máquina desgastada. um contador de histórias, um casares destas bandas, intercala lacunas de esquecimento na fala sob o meio dia. palavras que somem e preenchidas pelo vazio transformam-se em gestos. o tempo que voou toma seu espaço na despedida, pede passagem. “até; até”; e os passos na distância envergam o espaço onde são deixados pensamentos e o ar, depois nada. eram dois na conversa. “marta”, ele grita. “besourar”. “é a palavra?” ele gesticula como um falso artesão. sim, uma delas, bem a tempo, e deixa-o seguir entre os jardins e a igreja, que passou, seus passos rua acima.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Canção de ninar II
Canções de ninar para compor pesadelos I
Se palavras mal equilibradas se amontoam qual fumaça na alvenaria da madrugada e toda a algazarra dos transportes privados e coletivos dão lugar ao esforço de subir um degrau de silêncio enquanto dormem os bebês, o indicado é: permanecer semi-desperto em algum esconderijo humano confiável ou nunca mais as palavras. A garganta, caso o sono seja escolhido e o despertar ignorado, apronta-se a secar e, não raro, pode-se escutar as tosses mais ou menos ritmadas a pelo menos duzentos metros de distância (pela esquerda, seguindo-se o som, alcançaríamos um engasgo de tosse a confundir-se com o atrito das rodas de um carro cauteloso a contornar, sem algazarra, um amontoado de casas aparentemente vazias e uns tantos outros ruídos menos interessantes. Nessas ocasiões recomenda-se dormir em companhia abundante (uma pessoa em cada quarto, duas pessoas em um quarto com toalha e tevê, acender uma lâmpada na varanda, janelas abertas se não há sequer um alguém e uma infinidade de outras configurações úteis) pois o engasgo escutado de perto pode afetar em certas noites de verão o mecanismo auditivo humano responsável pela atribuição de sentidos às palavras faladas. Esta canção pretende simular o silêncio derradeiro ocasionado pelo embaralhamento dos sentidos da seguinte forma: Sucessão de pratos quase aleatórios, como em uma parada urbana, e o trompete simulando a famosíssima ode argentina “verano fatal”.
sábado, 21 de março de 2009
Samba
quarta-feira, 30 de julho de 2008
Calendário
Acho que demorei a descobrir Lygia Fagundes Telles empoeirada e perdida nos livros de meu pai. No dia em que as meninas saltaram do antigo armário esquecido na imensidão daquela nova casa, trazendo no rosto o fardo pesado de dias e anos, o pó que disfarçava a jovial adolescência em capa dura foi como as rugas confundindo a contagem real da idade de minha avó que observava. Tremi. Os mosquitos apareceram para atazanar a noite, contando segredos carregados de insônia e a fantasia mágica chamada coincidência se confirmou quando as cigarras uniformizadas, que até atrasaram em duas horas sua cantoria matinal para que eu acordasse num silêncio repentino de pós-chuva, deitando meus olhos crus, como os dela, nas nuances daquele dia que se abria, virgem, compondo-se ao toque de meus caprichos. Recentemente ganhei de presente uma edição que não demora a empoeirar. A cidade hoje em dia envelhece muito mais rápido e as rugas que vejo são irreconhecíveis de tão escuras.